quarta-feira, 24 de setembro de 2014

GUEFILTE FISH – UMA UNANIMIDADE NAS MESAS JUDAICAS

Por Breno Lerner*MENORAH BRASIL

Passadas cada uma de nossas festas, retomamos nosso dia a dia, após a comilança. Num jantar deste ano, um de meus sobrinhos me fez uma pergunta, além das tradicionais perguntas do “Manishtaná”, que ficou sem resposta: Por que em todas as nossas festas comemos Gefilte Fish? Imaginei uma série de respostas para dar mas todas elas terminavam com “porque sempre foi assim” e isto não é lá resposta que se dê. 

Bom, após um pouco de leitura, aí vai uma tentativa de resposta ao meu sobrinho, que aproveito para dividir com os leitores de MENORAH BRASIL. Acho que devemos começar nos perguntando por que o peixe para depois chegar no Gefilte Fish. Alguns pontos são óbvios: o peixe é “parve”, neutro, podendo ser combinado com qualquer outra comida, ainda que algumas comunidades ortodoxas prefiram não comer peixe e carnes juntos no mesmo prato, por exemplo uma vitela tonatta.

Tradicionalmente vão preferir, após uma entrada de peixe, limpar seu paladar com um pedaço de pão, um gole de vinho ou aguardente ou ainda, mais recentemente, um sorbet para depois comer carne. Em tempos antigos, algumas comunidades judaicas da Índia, não misturavam peixe com leite ou seus derivados. 

O peixe já nasce kasher (desde que tenha nadadeira e escamas), não necessitando ser manuseado, salgado, cortado. Ou seja, no minuto em que sai do mar, do rio ou do peixeiro, está pronto para consumo, facilitando a vida da(o) cozinheira(o). Por outro lado, tem seu significado histórico, sempre associado à fertilidade, crescimento, multiplicação, abundância e prosperidade – aliás não só entre os judeus como entre outros povos, especialmente os orientais. 

Dizem os nossos sábios, que jantar peixe nos traz um gosto do paraíso, uma mística sensação de como serão os dias da era messiânica. No livro de Jó, Leviatã, o monstruoso e demoníaco peixe será derrotado na vinda do Messias e os homens justos se banquetearão com sua carne. Especialmente no Shabat, tem um significado marcante uma vez que dag, a palavra hebraica para peixe, tem o valor numérico de sete e, portanto, comer peixe no sétimo dia da semana teria um significado todo especial. Acreditavam ainda os antigos que comer peixe numa das três refeições do Shabat ajudaria os homens a evitar o julgamento de Gehenna, ou seja, a ida para o terrível inferno ardente localizado no vale de Hinnon. 

Ocorre que a separação de espinhas da carne comestível é considerado um trabalho e, portanto, não poderia ser feito durante o Shabat, mas apenas na véspera. Considerando-se a falta de modos de conservação do peixe, surgem duas teorias: A primeira considera a adição de temperos e especialmente a cebola, uma forma de conservar melhor o peixe. A segunda afirma que bater a carne do peixe, eliminado as espinhas e pré cozê-lo na sexta feira, resolvia o problema da conservação. 

Assim o Gefilte Fish (peixe recheado, em idish) nasce como uma forma melhor de preparar o peixe para o Shabat, todavia, diferente da forma como o fazemos hoje. A carne era toda retirada, limpa das espinhas, batida e misturada com temperos e farinha de rosca (ou de matzá, no Pessach) e voltava a rechear a pele do peixe. Com isto também se conseguia aumentar o rendimento do prato, podendo-se quase dobrar sua quantidade.

O peixe era então envolto e amarrado em um pano (para não desmontar) e cozido no caldo feito com suas espinhas, cabeça e temperos. Possivelmente o ancestral mais conhecido do Gefilte Fish seja a receita egípcia do Bellahat, também bolinhos de peixe que são fritos e servidos com um grosso e condimentado molho de tomates. Aqui vai a receita:

1½ kg de peixe (pescada, bacalhau fresco, garoupa)
½ xícara de farinha de trigo ou de matzá
2 ovos
5 dentes de alho bem picados
½ colher de chá de cominho
Sal e pimenta do reino à gosto

Bata todos os ingredientes no processador até obter uma massa grossa. Deixe descansar na geladeira por uma hora. Com as mãos molhadas faça bolinhas do tamanho de uma bolinha de pingue-pongue. Frite-as em azeite abundante e escorra em papel absorvente. Faça um molho de tomate bem grosso e coloque os bolinhos nele para cozinhar por cinco minutos. Tempere com gotas de limão e pimenta do reino. Sirva com arroz ou salada.

* BRENO LERNER é editor, formado e pós-graduado em administração de empresas pela FGV/SP. Estudioso e pesquisador da história da culinária, em especial da judaica, tem três livros publicados sobre o tema. Conduziu por três anos o programa de TV “A Cozinha da Idishe Mome” e ministra regularmente cursos e workshops de culinária.